30/10/2011
Uma intervenção cirúrgica no coração!
Pois é! Iria me acontecer daqui uns cinco anos, mas a “genética ruim” a
trouxe para este ano. Pego de surpresa, lá fui eu para Ribeirão Preto.
Tratamento particular num bom hospital, com equipe de primeira, tudo
arrumado pelo meu médico e amigo de infância, William Haddad. Operei
rapidinho e entrei para a minha suíte grande e confortável. Era a
“recuperação”, com direito a acompanhante. Fran assinou os cheques. No
frigir dos ovos, ela contabilizou que gastamos cinco mil reais a menos
do que gastaríamos se tivéssemos optado por pagar algum plano de saúde,
mesmo com o desconto dado na Universidade em que trabalho.
Como a Fran conseguiu fazer isso?
Simples: ela não paga plano de saúde, ela faz tudo “particular”, no
dinheiro, e sempre somos atendidos na hora e com o que há de melhor.
Duvido que um figurão da República tenha atendimento melhor. E isso
porque a Fran guarda todo mês um dinheirinho, fazendo um caixa para
usarmos exatamente nesse tipo de eventualidade. Caso pagássemos um plano
de saúde não seríamos atendidos pelos médicos de nossa escolha, não
teríamos o atendimento VIP que tivemos, teríamos de esperar e, ao fim e
ao cabo, eu não poderia colocar a prótese no coração que eu coloquei,
teria mesmo de pagar “por fora” para escolher a melhor. Isso sem contar
outros imprevistos dos planos de saúde, sempre sorrateiros. Quem se
organiza como a Fran, vive bem. Eu vivo bem. Quem não tem Fran, dança.
Você paga plano de saúde? É porque deu azar, casou mal.
Como eu, Lula também foi pego de
surpresa: tem de ir para um tratamento médico. Lula foi presidente da
República duas vezes. Com o seu salário pode pagar médico como eu pago:
particular. Não cabe a ele dar uma de demagogo e ir se tratar pelo SUS.
Seria irresponsabilidade para com ele, para com a família dele e, enfim,
para com os brasileiros que esperam dele uma contínua participação na
política. Ninguém faria isso. Ninguém, podendo pagar, iria optar por um
tratamento do serviço público. Também não cabe fazermos qualquer pessoa,
político ou não, tirar vaga no SUS, caso possa pagar. E ainda mais: não
há protesto político que se justifique, contra o SUS, se para tal é
necessário usar das agruras individuais de quem quer que seja, muito
menos do ex-presidente. Até porque o ex-presidente, junto com FHC, monta
a dupla de governantes que empurrou este país para a condição que
estamos hoje, que é muito melhor – em todos os sentidos – do que a da
década de oitenta. Só não quer perceber isso quem teima na cegueira ou
quem é viuvinha da Ditadura Militar. Não sou apoiador incondicional de
Lula, ao contrário. Mas, não sou burro.
Todavia, há quem, por exclusiva mágoa
pessoal, por ser pessoalmente um derrotado, aproveita da doença do
ex-presidente para vir gritar contra ele, fingindo que está gritando
contra o SUS. São os que estão fazendo uma “campanha” – devidamente
orquestrada na Internet – com o título: “Lula, trate-se pelo SUS”. Na
ingenuidade, muitos que são anti-petistas ou que têm divergências com
Lula por conta do “mensalão” e coisas parecidas, engrossam a tal
“campanha”. Mas, na base dela, não há divergência política – é isso que
assusta. Na base o que há é a derrota. Não digo derrota política não.
Digo, derrota pessoal. Ou seja, ainda há no Brasil aqueles que se acham
melhores que um operário que virou presidente. Aqueles que nunca fizeram
nada por si mesmos ou que realmente são incompetentes e, então, falam
diante do espelho: “o que é que um operário barbudo, analfabeto, tem que
eu não tenho, porque ele e não eu?” Lula sempre foi vítima disso.
Sempre despertou esse tipo de sentimento em determinados grupos da
população, que antes nós, filósofos com algum jargão de esquerda,
chamávamos de “lumpesinato”. Hoje, não se trata mais de usar esse termo.
O que temos que falar é, sim, na aliança entre o preconceito contra
figuras como o Lula e a própria derrota pessoal.
O preconceito aliado à derrota pessoal
gera um sentimento horrível que pode atingir ricos e pobres, não
importa. Lula causa asco nesses grupos de invejosos, de mal amados,
exatamente porque ele não só teve sucesso pessoal, mas porque, em boa
medida, algo que ele prometeu ele cumpriu, e que parecia impossível. Ele
fez realmente uma política que ampliou o mercado interno e possibilitou
que mais gente viesse para a classe média, e fez isso sem romper com a
democracia liberal. Lula passou a ser aplaudido pela população a
despeito de todas as falhas do PT na condução do combate à corrupção.
Esse êxito pessoal de Lula bate de frente com a derrota pessoal dos que
alimentam, agora, a indisposição contra ele na Internet.
Esse movimento na Internet não é
eleitoreiro. Ainda não é. Ele é ruim exatamente porque não se trata de
política, é apenas o ódio interior de todo aquele que não suporta o
êxito do outro. Como sempre tive sucesso nos meus empreendimentos, sei
bem o que é virar alvo desse tipo de inveja que aponta suas baterias
contra Lula. Sei que isso vem bem do interior do inferno. O inferno das
almas dos derrotados e preteridos. Os Caims da vida.
Sobre esse tipo de sentimento,
aproveitando-se dele, é que todos os regimes extremados, de direita e
esquerda, fizeram sua história.
Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ.
http://bit.ly/uqZq9o