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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Reaja


Introdução
Um filósofo francês de 93 anos de idade, Stéphane Hessel, publicou há pouco um panfleto de poucas páginas, com o título de “Indignem-se (Indignez-vous)”. Nele, defende que os jovens de hoje devem retomar a indignação que tinha sua geração contra o nazismo e o capitalismo. Adicionando a indignação contra o capital financeiro, a desigualdade entre trabalhadores e capitalistas, o que Israel faz na Palestina (e vale lembrar que Hessel é Judeu) e a indiferença que tomou conta do mundo.
É um bonito texto em menos de 30 páginas e que vem sendo vendido em grande quantidade. Comprei a 13ª edição. Mas é um livro de europeu da esquerda da civilização industrial, que aparentemente não vê que tão grave quanto a má distribuição de renda é o próprio conceito de riqueza; não capta que a exploração se dá também na destruição da natureza, que desapropria patrimônio das próximas gerações; nem que mais do que indignar-se, é preciso reagir.
Foi inspirado no Hessel e seu livro que fiz este texto pedindo aos jovem que reajam às tragédias de hoje.
Cristovam Buarque
Brasília Maio, 2011

Reaja contra a definição de riqueza baseada na renda e no consumo. Entenda que mais vale o tempo livre, do que um carro no engarrafamento. Mais vale respirar ar puro do que comemorar o aumento na produção.

Reaja contra a idéia de que a riqueza consiste em gastar a vida endividando-se e trabalhando mais do que o necessário para comprar mais do que o necessário. Afastando-se de vizinhos, esquecendo a família, deixando de olhar ao redor, seja para deslumbrar-se com a beleza ou indignar-se com as injustiças.


Reaja ao exibicionismo de consumir por grife.

Reaja à propaganda que tenta ampliar suas necessidades e manipular seus gostos e gastos.
 
Reaja contra a lógica que diz que um automóvel a mais é positivo porque significa um emprego a mais para um flanelinha longe da escola.
 
Reaja à desigualdade. Hoje, 1% dos ricos do mundo detém 40% do patrimônio mundial. As três pessoas mais ricas do mundo têm patrimônio maior do que a soma da população de 48 nações. É preciso indignar-se como pede Hessel, mas também reagir a esta realidade imoral.
 
Reaja à “Cortina de Ouro” que serpenteia todo o planeta dividindo as populações de cada país entre os ricos e os pobres que de tão desiguais já começam a perder o sentimento de semelhança. Não aceite o risco de quebrarmos a convicção de que os seres humanos são todos semelhantes.
 
Reaja contra esta cortina que é invisível ao dividir países, mas é concreta nos muros dos shoppings centers, nas grades dos condomínios, nas muralhas que separam EUA do México, nos guichês da polícia de fronteira em cada país do mundo.
 
Mas não basta reagir a má distribuição da renda e do consumo, reaja ao consumismo, porque é impossível todos consumirem como os 20% mais ricos. O Planeta não suportaria. Não aceite esta idéia equivocada de que tudo fica obsoleto a cada ano. E que velho é sinônimo de feio. Veja a beleza de manter o uso de bens úteis, independente da idade.

Reaja a este sentimento que faz velho o produto de ontem e considera feio o que é ainda não é de amanhã.
 
Reaja contra os que comemoram o aumento de famílias recebendo assistência, em vez de comemorar a diminuição no número das que precisam desta ajuda.

Reaja contra todo país que comemora ser uma potência econômica, sendo fracasso social, na educação, na saúde, na estrutura urbana, na distribuição de renda.
 
Reaja ao conceito de progresso baseado no crescimento econômico, que consome a vida das pessoas e destrói o equilíbrio ecológico em busca de aumentar a produção de bens materiais, privados e de curta duração.
 
Progresso foi uma das maiores invenções do mundo das idéias, desde quando Hegel imaginou o que então parecia absurdo: que a história tem um rumo e o mundo de amanhã será melhor que o de ontem. Milhares de cérebros, como os iluministas na França do século XVIII e os utopistas e os marxistas no século XIX construíram o humanismo sobre a idéia de progresso. Mas o século XX corrompeu a idéia e apequenou o progresso como sinônimo de produção e consumo. Lembre do poema de Drummond “O progresso não recua / Já transformou esta rua em buraco”.
 
Reaja.
Não deixe que este conceito de progresso roube todas as maravilhas do ser humano: a capacidade de criar tempo livre, o uso deste tempo livre para as atividades da cultura e não do mercantilismo e do produtivismo.
 
Reaja à lógica que define a demanda de energia em função de um consumo sem sentido, justificando lagos que destroem a diversidade e expulsam nações indígenas de seus locais sagrados. E como se a busca de petróleo justificasse demolir o Vaticano ou perfurar a terra no Santo Sepulcro.
Reaja ainda mais contra a alternativa de energia nuclear, cujos impactos imediatos podem ser menores, mas em caso de tragédias provocam catástrofes que perduram por milhares de anos, como eu vi recentemente em Chernobyl e todos podemos acompanhar pela televisão em Fukushima.
 
Reaja à lógica que há tanto tempo imposta já passou a tomar conta de nossas mentes. Como se estivesse no DNA de cada ser humano. Não está. Mas se estiver reaja, mesmo assim.
 
Reaja contra a falta de liberdade. Grite, grite sempre e o mais alto possível por suas idéias.

Reaja contra o silêncio que acomoda e engana. 

Reaja contra o partido único, criado pela submissão e a conivência dos bajuladores e oportunistas; contra o pensamento único criado pela mudez conformada, assustada ou conivente dos intelectuais.

Reaja contra a impressa medrosa ou comprada, ou simplesmente cega, sem capacidade de análise independente. 

Reaja à universidade que sempre diz sim e luta apenas por mais verbas e não por mais idéias.
 
Reaja contra a destruição ou descaracterização do patrimônio cultural em nome da novidade, mas quase sempre a serviço da especulação e da dinamização do mercado.
 
Reaja contra a prisão invisível em que a ideologia dominante lhe amarrou, roubando o que há de mais sagrado: os poucos minutos de vida que você recebeu da natureza e sua capacidade de viver livre, sonhar. Com sorte, você terá 30 mil dias de vida. Não jogue fora produzindo o que não gosta, nem tem vocação, apenas por um salário, sacrificando seu tempo, apenas para comprar um carro ou um sapato. 

Reaja contra o desviver de ocupar profissão que não lhe dá prazer nem aventura.
 
Reaja contra a vida sempre bem comportada, escolha algumas aventuras para realizar, montanhas a subir, uma revolução a fazer, amores a sentir. Coloque sempre sua biografia na frente de seu curriculum.
Reaja contra a globalização que começa por cima, universalizando os ricos, no lugar da sonhada internaciona-lização que nasceria por baixo, vinda dos trabalhadores. Este era o sonho dos internacionalistas do passado, no sentido contrário dos globalistas do recente neoliberalismo. Não confunda internacionalismo e globalização.
 
Reaja contra a duas desigualdades imorais: no direito à vida, pela compra dos serviços de saúde; e no direito à qualidade de educação, pela compra do acesso às escolas. Não aceite que a vida seja comprada por quem pode pagar os serviços médicos, enquanto outros morrem porque lhes falta dinheiro. Não aceite que um cérebro seja jogado para fora da escola de qualidade apenas porque a família da criança não tem dinheiro para pagar mensalidade. Reaja contra o desperdício da queima de cada cérebro sem direito a uma boa escola.
 
Reaja à aberração de dizer que há boa e má escola, bom e mal hospital. Escola é ou não é escola, hospital é ou não é hospital, tanto quanto oxigênio é ou não é oxigênio.
 
Reaja à destruição da natureza sob todas as formas e em todos os níveis, mesmo os menores. Aceite que recursos naturais se transformem em produtos, mas desde que eles sejam repostos, reciclados, renascidos. 

Reaja ao direito de cada país sentir-se no direito de queimar suas florestas, sujar os seus rios, jogar lixo no espaço ou no oceano. Defenda os recursos naturais como patrimônio da humanidade deixado à proteção de cada país.
 
Reaja à lógica de que árvore só tem valor quando derrubada para dar lugar ou servir a um produto da economia.

Reaja quando derrubam árvores em nome da necessidade de aumentar o número de carros na rua, seja em estradas, seja em estacionamentos. Não aceite a derrubada de qualquer árvore sem uma justificativa de interesse social e exija que para cada derrubada outras muitas sejam plantadas.
 
Reaja contra uma civilização que tem crianças com fome, sem roupas, brinquedos, higiene. Reaja contra o triste futuro da civilização estampado nos olhos desses meninos e meninas.

Reaja contra a realidade de crianças abandonadas, outras sem escolas, sem assistência médica.
 
Reaja contra o vazio ideológico que tomou conta do mundo. Não aceite a falta de propostas, de bandeiras de luta. Escolha a sua.
 
Reaja contra projetos que desalojam índios, ou expulsam moradores de favelas.
 
Reaja contra a discriminação. Todas elas. Seja por um defeito físico, por raça, opção sexual ou pela religião professada.
 
Reaja contra a corrupção de políticos que põem dinheiro público no bolso ou na conta, por propina ou por desvio de recursos. Mas reaja também contra a disfarçada, mas igualmente grave corrupção nas prioridades. Beneficiando minorias privilegiadas, trocando sistema de água, saneamento, escola e hospitais pela construção de obras que beneficiam apenas a minoria rica de cada país. 

Reaja contra o cinismo de políticos e de eleitores, nas eleições. Repudie o político que não cumpre as promessas que fez na campanha, e o eleitor que vota debochadamente, apenas por interesse pessoal imediato.
 
Reaja, contra o trabalho escravo que até hoje continua, no século XXI, sob a forma direta do trabalho forçado ou sob forma disfarçada em trabalhos domésticos, trabalho infantil, exploração sexual.
 
Reaja contra o analfabetismo que escraviza ainda hoje 800 milhões de adultos no mundo e contra a deseducação de 3 bilhões como analfabetos funcionais ou com apenas alguns poucos anos de escolaridade. Na época em que o conhecimento é o principal vetor do progresso, deixar estas pessoas sem educação é como deixá-las fora da civilização.
 
Reaja contra a globalização que quer destruir as nações. Mas também contra o isolacionismo que quer tratar cada país como ilha, no mundo planetário de hoje. Veja o mundo
 
Reaja contra a discriminação. Todas elas. Seja por um defeito físico, por raça, opção sexual ou pela religião professada.
 
Veja o mundo como um condomínio de nações.

Não aceite a visão do nacionalismo primário e egoísta, em nome do qual um país justifica destruir florestas, emitir carbono na atmosfera, estragar o planeta, só porque os outros países não tomaram as medidas protetoras.

Reaja ao suicido que parece ter tomado conta da humanidade. 

Reaja contra o que se faz contra os habitantes da Palestina, contra os gays em diversos países; contra os pobres na América Latina, contra mulçumanos em quase todos os países ocidentais. 

Reaja contra o abandono do povo africano, pelos ricos do mundo e os ricos da própria África.
 
Reaja contra o terrorismo seja de que lado for, seja qual for sua justificativa. Tanto o terrorismo de grupos e indivíduos quanto o terrorismo oficial de Estados e Governos.
 
Reaja à maneira como a educação é destratada. Reaja à conseqüência direta deste destrato.

Reaja contra todos que conduzem a economia presa aos séculos XIX e XX, despreparada para o salto à economia do conhecimento que caracteriza o século XXI.
 
Reaja ao descaso dos serviços públicos, escolas parcialmente ativadas, hospitais que parecem de guerra, não importa em que país isso acontece. 

Reaja ao mundo dividido por fronteiras políticas artificiais que dividem os seres humanos. 

Reaja contra as filas que o povo sofre para ter atendidos os seus direitos mais essenciais. Seja para receber comida no Sudão ou remédios em São Paulo.
 
Reaja contra a apropriação da ciência e da tecnologia a serviço das armas de guerra e das garras dos ricos. A inteligência é produto do cérebro de uma única pessoa, mas ela deve pertencer a todos os homens e mulheres. Até porque a inteligência de cada pessoa se deve aos cérebros dos milhares que direta ou indiretamente participaram de sua educação. É indigno que a descoberta de um remédio só sirva a quem pode pagar por ele, prostituindo-se a inteligência dos cientistas que o descobriram.
 
Reaja contra a transformação da maravilha da arte do futebol e de outros esportes em um ópio que impede a revolta que o povo já teria feita.

Reaja aqueles que transformaram a liberdade sexual na vergonha da pornografia. Reaja de forma irada ao maldito crime da pedofilia.
 
Reaja contra todas as formas de violência até mesmo quando feita contra criminosos, mas, sobretudo reaja contra a violência como são tratadas as crianças, as mulheres, os índios, os negros, os homossexuais.
 
Reaja aos absurdos orçamentos militares que no mundo inteiro consumiram em 2010 o equivalente a US$ 1,5 trilhão. Recursos que permitiriam educar todas as crianças pobres do mundo.
 
Reaja contra a idéia de que o mundo vai bem, apenas porque não vai tão mal quanto antes.
 
Reaja a um discurso sobre reagir, fazendo-o obsoleto, porque você já está reagindo.
http://bit.ly/mOKMdy 

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